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Revisão do PPP à luz da BNCC: caminhos para transformar a prática escolar

Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa

29 de agosto de 2025


Você já se perguntou por que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) muitas vezes parece distante do cotidiano da escola? A resposta está em como ela é traduzida no Projeto Político-Pedagógico (PPP). Esse documento não é uma mera formalidade burocrática: ele é a identidade da escola, o espaço onde princípios constitucionais, diretrizes nacionais e a realidade local se encontram para formar um projeto vivo de educação.

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No momento em que o Brasil inicia um novo ciclo de planejamento educacional, com o próximo Plano Nacional de Educação (2024–2034), revisar os PPPs à luz da BNCC torna-se uma tarefa estratégica para garantir qualidade, equidade e inclusão.



A relação entre BNCC e PPP

A BNCC, aprovada em 2017, é um documento normativo que define os direitos de aprendizagem de todos os estudantes brasileiros. Ela responde ao “o que ensinar”, estabelecendo as competências gerais e as habilidades específicas para cada etapa e área do conhecimento, orientando a elaboração do currículo municipal e das matrizes curriculares das escolas.

Já o PPP é o documento que dá vida a esse currículo no território escolar. Ele responde ao “como ensinar e por que ensinar”, incorporando os princípios constitucionais (CF/88, arts. 205–214), as diretrizes da LDB nº 9.394/1996 e de documentos complementares, como o Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005/2014), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) e a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), entre outros.

Assim, BNCC e PPP são complementares: a primeira estabelece padrões nacionais, o segundo traduz essas diretrizes para a realidade da comunidade escolar, ressignificando-as.

 

O papel da liderança escolar

A implementação da BNCC na escola começa com a revisão do PPP, exigindo liderança pedagógica e política. A Base Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar (Parecer CNE/CP nº 4/2021) define que cabe ao gestor:

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  • liderar a gestão democrática da escola;

  • coordenar a gestão curricular;

  • usar dados e evidências para planejar e monitorar aprendizagens .



Essa liderança precisa ser colaborativa. Não se trata apenas de organizar documentos, mas de criar espaços permanentes de participação: assembleias escolares, conselhos ativos, escuta de pais e estudantes, rodas de conversa com professores e funcionários.

Na prática, como apontam experiências do PPP Vivo (nos municípios do Consórcio Alta Vale do Paranapanema – Amvapa, e do Vale do Ribeira: Itanhaém, Ilha Comprida), os diretores que abriram processos de escuta comunitária conseguiram transformar a revisão do PPP em um exercício de pertencimento, corresponsabilidade e engajamento da comunidade.

 

Estratégias para alinhar o PPP à BNCC

As experiências acumuladas e sistematizadas nas formações e assessorias do Projeto PPP Vivo mostraram que algumas etapas são decisivas para que a BNCC se torne parte do cotidiano, das práticas pedagógicas e da cultura organizacional da escola:

  • Diagnóstico situacional: O ponto de partida é levantar dados reais da escola e do território: fluxo escolar, aprendizagem, infraestrutura, equidade. Isso evita que o PPP seja uma carta de intenções e o transforma em um plano estratégico baseado em evidências.

  • Declarações estratégicas da escola: Missão, visão, valores e propósito não devem ser frases decorativas. Elas precisam dialogar com a função social da escola — democrática, emancipatória e inclusiva.

  • Currículo integrado: O PPP deve garantir a transição entre etapas. Um exemplo: a matriz curricular da educação infantil precisar ser desenhado em diálogo com os anos iniciais do fundamental, evitando lacunas de aprendizagem.

  • Mapa formativo docente: A BNCC demanda novas metodologias. Por isso, o PPP deve incluir um plano de formação continuada, com base nas necessidades reais da equipe. Professores que já utilizam metodologias ativas podem ser multiplicadores.

  • Ensino contextualizado ao território: A BNCC prevê flexibilidade curricular. Em escolas do campo, por exemplo, o PPP pode incorporar práticas de agroecologia e saberes tradicionais como eixo curricular. Esse movimento conecta currículo e vida, tornando o aprendizado significativo.

  • Monitoramento, avaliação e replanejamento: Um PPP vivo é aquele que se avalia continuamente. Indicadores de eficácia, eficiência e efetividade devem ser usados não para punir, mas para o aprendizado coletivo e correção de rotas. O uso de dados resultantes das avaliações externas, os indicadores de aprendizagem e de fluxo, podem ajudar a fortalecer esse acompanhamento.

 

Do cumprimento da lei à transformação social

Revisar o PPP à luz da BNCC não é apenas cumprir normas legais. É uma oportunidade de transformar a escola em um espaço de aprendizagem significativa e de formação cidadã.

O PPP alinhado à BNCC torna-se um instrumento de:

  • garantia de direitos educacionais;

  • fortalecimento da gestão democrática;

  • promoção da equidade;

  • construção de uma escola que seja para os alunos, de fato, asa e não gaiola, como escreveu Rubem Alves.

No fim das contas, a pergunta que cada comunidade escolar deve se fazer é: “Que tipo de cidadão queremos formar?”. O PPP é o espaço para escrever essa resposta de forma coletiva, corajosa e inspiradora.

 

Como colocar em prática na gestão pública

  • Secretarias Municipais de Educação: orientem as escolas a revisarem seus PPPs com base em diagnóstico e em diálogo comunitário, alinhados ao Plano Municipal de Educação.

  • Diretores escolares: liderem o processo com escuta ativa, pactuação coletiva e clareza de metas.

  • Professores: planejem aulas a partir das competências e habilidades da BNCC, em sintonia com o PPP.

  • Comunidade: participem dos debates, pois o PPP é também a tradução da escola que a sociedade deseja construir.

 

Referências

ALVES, Rubem. Gaiolas e asas. Folha de São Paulo, 5 dez. 2001.

BRASIL. Constituição Federal, 1988.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, Lei nº 9.394/1996.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Lei nº 8.069/1990.

BRASIL. Lei Brasileira de Inclusão – LBI. Lei nº 13.146/2015.

BRASIL. Plano Nacional de Educação – PNE. Lei nº 13.005/2014.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília: MEC, 2017.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP nº 4/2021 – Base Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar.

CONAE. Documento-Referência da Conferência Nacional de Educação. Brasília, 2024.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

JANUZZI, Paulo. Indicadores para diagnóstico, monitoramento e avaliação de programas sociais no Brasil. Brasília: Ipea, 2013.

LÜCK, Heloisa. Dimensões da gestão escolar e suas competências. Curitiba: Positivo, 2009.

LÜCK, Heloisa. Avaliação e monitoramento do trabalho educacional. Petrópolis: Vozes, 2013.

MATUS, Carlos. Política, Planejamento e Governo. Brasília: IPEA, 1993.

ROSA, Lilian R. de O.; RODRIGUEZ, Alícia Freijo; ROSA, Helena de O.; MOLINA, Sandra Rita; TRIVELLATO-FERREIRA, Marlene. Princípios e documentos norteadores: bases para a revisão do Projeto Político-Pedagógico. Ribeirão Preto: Cocreare/IPCCIC, 2024. (Cadernos de Formação PPP Vivo, vol. 3).

ROSA, Lilian R. de O.; RODRIGUEZ, Alícia Freijo; ROSA, Helena de O. Declarações da escola: propósito, missão, visão e valores. Ribeirão Preto: Cocreare/IPCCIC, 2024. (Cadernos de Formação PPP Vivo, vol. 4).

ROSA, Lilian R. de O.; RODRIGUEZ, Alícia Freijo; ROSA, Helena de O. Monitoramento e avaliação: acompanhamento e replanejamento do PPP. Ribeirão Preto: Cocreare/IPCCIC, 2023. (Cadernos de Formação PPP Vivo, vol. 6).

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. São Paulo: Autores Associados, 1993.


 
 
 

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